Intolerância alimentar: o que a dosagem de IgG específica para alimentos tem a ver com isso?


Ekaterini Goudouris
Professora do Departamento de Pediatria da FM da UFRJ
Médica do Serviço de Alergia e Imunologia do IPPMG/UFRJ
Coordenadora do Curso de Especialização em Alergia e Imunologia Clínica do IPPMG/UFRJ

A resposta direta e objetiva é: NADA.

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No entanto, vemos que na prática clínica de muitos profissionais da saúde este exame vem sendo solicitado. Então é importante que você aprenda a não cometer este erro. Mas é igualmente importante que você entenda o porquê.

Quando falamos de intolerância a algum alimento, estamos nos referindo a sintomas, na maioria das vezes gastrointestinais, que aparecem após a ingestão de algum alimento. Trata-se de um problema metabólico, relacionado à digestão do alimento. Muitos sintomas, alguns bastante subjetivos, não relacionados ao tubo digestivo têm sido associados à ingestão de alimentos, sem que haja real comprovação de uma relação de causa-efeito.

A intolerância mais comum é aquela à lactose, o açúcar do leite. Pessoas que tem pouca ou nenhuma lactase (a enzima que quebra a lactose) nas vilosidades da mucosa gastrointestinal, quando ingerem leite ou produtos derivados do leite, não conseguem digerir este açúcar que, portanto, é pouco absorvido e permanece dentro do tubo digestivo. A permanência da lactose dentro da luz intestinal promove aumento da osmolaridade local, com retenção de água e eletrólitos, provocando diarreia. Além disto, quando este açúcar chega ao cólon, é fermentado por bactérias da flora intestinal, provocando distensão abdominal, desconforto abdominal/dor, acidificação das fezes e consequentemente assaduras.

O sistema imunológico, portanto, não tem nada a ver com isso.

As reações a alimentos que envolvem o sistema imune constituem quadros de alergia alimentar, que possuem apresentações clínicas diversas, com sintomas gastrointestinais, mas também cutâneos e respiratórios, tais como urticária, angioedema, dermatite atópica, colite, esofagite e broncoespasmo. O mecanismo imunológico envolvido pode estar relacionado à produção de IgE ou células (linfócitos). O envolvimento de IgG não está comprovado em quadros de alergia alimentar.

O quadro de alergia alimentar de maior mortalidade é a anafilaxia, uma reação sistêmica, aguda, mediada por IgE, com sintomas cutâneos, respiratórios, gastrointestinais, neurológicos e cardiovasculares.

A dosagem de IgG específica para alimentos, portanto, carece de significado clínico até o presente momento e não deve ser solicitada! Seu significado é desconhecido em casos nos quais os sinais e sintomas direcionam para a suspeita de alergia alimentar. Em casos em que sinais e sintomas não caracterizam alergia alimentar, mas uma possível intolerância ao alimento ou nem mesmo isso, procurar um componente imunológico não faz qualquer sentido.

Exames complementares são importantes na prática clínica, mas é necessário indica-los com critério. Antes de solicitar um exame é fundamental se perguntar: o que espero encontrar como resultado? Este resultado fará alguma diferença nas decisões que vou tomar sobre como conduzir a situação? O custo do exame é justificável diante dos benefícios que o resultado trará? A história e o exame físico completos devem ser sempre a prioridade, por isto os exames são chamados COMPLEMENTARES!

Para saber mais (leitores não médicos):

http://emais.estadao.com.br/noticias/bem-estar,alergias-e-intolerancias-alimentares-confundem-portadores-e-provocam-deficit-nutricional,1707483

Para saber mais (estudantes de medicina):

Kloetzel K. Usos e abusos de exame complementar. Diagn Tratamento. 2001;6(4):19-27.

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